A Revolução do Alfabeto
Este é o 4º artigo da série História da Escrita. Os três primeiros são:
01 - Introdução - O Homem e a Escrita
02 - Um Nascimento Humilde
03 - Uma Invenção dos Deuses
O próximo artigo a ser postado é DOS COPISTAS AOS IMPRESSORES
01 - Introdução - O Homem e a Escrita
02 - Um Nascimento Humilde
03 - Uma Invenção dos Deuses
Mil anos antes de Jesus Cristo, aconteceu uma verdadeira revolução: a invenção do alfabeto. Não foi um fato inesperado, mas uma longa história. Em sua origem, estão os fenícios, que emigraram para as margens oeste do Mediterrâneo, para o norte da África, ao sul da Espanha, a Sicília, a Sardenha, Chipre, e também para a Grécia e a Itália.
A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de signos ou de caracteres.
Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, permitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons... daí os problemas cruciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia! Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que os mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber.
O primeiro modelo de alfabeto, o dos fenícios, ignora as vogais.
Os gregos possuíam um sistema de escrita, no segundo milênio a.C., o qual desapareceu, por volta de 1100 a.C., quando sua cultura foi destruída pelas invasões dóricas. Três ou quatro séculos mais tarde, a escrita fenícia espalhou-se pela Grécia. Ignora-se de onde vêm esses signos, encontrados gravados em fragmentos de barro. Mas é possível, e mesmo verossímil, que tal alfabeto provenha de transformações sucessivas provavelmente ainda da escrita demótica do antigo Egito.
Do que se tem certeza é que o alfabeto fenício era composto somente de consoantes, isto é, no sentido próprio, de sons ou fonemas que só existem na língua falada no momento em que “soam”, melhor dizendo, realizam-se ao lado das vogais. Era próprio das línguas semíticas, como o hebraico e o árabe, possuir pouquíssimas vogais.
Os fenícios, que eram, sobretudo, comerciantes e navegadores, comerciavam com todos os povos do perímetro do Mediterrâneo oriental. E foi por causa de suas transações comerciais que fizeram seu alfabeto conhecido nessa parte do mundo.
Dois novos alfabetos aparecem e servirão para redigir o Antigo Testamento.
Cinco séculos mais tarde, por volta do século VIII a.C., foi encontrado em cidades da atual Síria – então chamadas país de Arão – um alfabeto “aramaico” (ou arameu) semelhante, em alguns detalhes, àquele utilizado pelos fenícios.
A escrita e a língua aramaicas terão uma importância capital em nossa história, pois será com elas que serão escritos certos livros do Antigo Testamento. Porém, a maior parte dessa obra nos foi legada em uma língua cujos vestígios escritos mais remotos remetem a 700 a.C.: o hebraico.
Em sua forma primitiva, tal escrita não possui vogais e é lida, como o aramaico, da direita para a esquerda. Com pequenas diferenças, trata-se da mesma língua usada hoje como língua oficial em Israel.
O antigo hebraico, chamado “hebraico quadrado” – por seus signos obedecerem à forma de um quadrado -, sofreu poucas transformações no decorrer dos séculos. A escrita hebraica comporta, a par de letras “maiúsculas” – aquelas gravadas nos monumentos e copiadas nos rolos sagrados da Bíblia -, letras “cursivas” empregadas no dia-a-dia.
A escrita hebraica servirá, alguns séculos mais tarde, para transcrever uma outra língua falada pelos judeus da Europa central, o iídiche, bastante distante do hebraico, porque composta principalmente de palavras de origem germânica e eslava; o que faz com que os especialistas digam que a escrita é uma realidade em parte independente da língua (em parte somente!).
As escritas árabe e hebraica, ainda hoje em uso, beberam das mesmas fontes.
Com toda a certeza, a história da escrita é uma história de família. Tanto a escrita árabe quanto a hebraica são originárias do alfabeto fenício. Como? Em conseqüência de quais peripécias? Pouco se sabe, pois a filiação que permite passar da escrita fenícia à escrita árabe continua uma das mais obscuras. O que parece certo é que no começo da nossa era as populações do norte da Arábia, os nabateus, faziam uso de uma escrita que não era mais fenícia, porém ainda não era árabe. Também é certo que as primeiras inscrições, propriamente árabes, sejam datadas de 512-513 d.C. Em 622, o profeta do islamismo, Maomé, deixa Meca para se refugiar em Medina. Essa data marca o início da Hégira, isto é, da era muçulmana. Cerca de dez anos antes, os primeiros textos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, teriam sido ditados a Maomé por Alá, e transcritos na escrita árabe, por volta do ano 650; isto significa dizer que tal escrita é ligeiramente anterior ao islamismo, o qual, graças a uma rápida e prodigiosa expansão através do mundo, fez com que ela (a escrita mais que a língua) também se propagasse. O norte da África, a Ásia Menor e a Índia e a China oriental, territórios conquistados pelo Islã, vão adotar tal escrita. E se o Ocidente cristão não tivesse repelido o domínio mouro na Europa meridional, talvez hoje, a Europa ocidental inteira escrevesse em caracteres árabes.
Na Bíblia – Antigo e Novo Testamentos – e no Alcorão, os vocábulos escrita e escritura adquirem conotação sagrada.
Os cristãos, quando falam em Escritura ou Escrituras, designam seus livros santos. O mesmo acontece como o Alcorão: a escrita é em si mesma “escrita de Deus”; também o eram os hieróglifos para os antigos egípcios. Ela é reverenciada mesmo sem ser lida ou compreendida. Atualmente, nas escolas alcoranistas dos países da África ou da Ásia, onde se falam outras línguas, o Alcorão é ensinado na escrita árabe original.
Por motivos religiosos e outros, a escrita árabe conhecerá tamanho desenvolvimento que servirá para transcrever o persa. Todavia, o persa, língua do atual Irã, é uma língua indo-européia da mesma família do latim e do francês, não tendo nada em comum com o árabe, língua semítica.
No decorrer dos séculos, a caligrafia árabe produzirá obras-primas de fascinante diversidade.
Assim como o hebraico, o árabe é escrito e lido da direita para a esquerda e não possui vogais. Compreende 18 letras, que, associadas a pontos, perfazem um total de 29. Na escrita cursiva, os caracteres ligam-se uns aos outros.
Porém, o espírito próprio da escrita árabe é sua capacidade de prestar a inúmeras formas, a prodigiosas metamorfoses. A religião muçulmana, ao proibir de representar o rosto de Deus ou o do Profeta, fez com que a escrita se tornasse o elemento decorativo essencial das mesquitas e de todos os outros monumentos. Ela é a base fundamental da arte dos “arabescos”. A caligrafia árabe conheceu, até nossos dias, estilos de variedade infinita, de fantasia ilimitada, desde o cófico, da cidade de Cofê, no Iraque, até os modernos “caligramas” de Hassan Massoudy. Sabe-se hoje que nas regiões situadas ao sul da Arábia até a Etiópia, e até mesmo no deserto do Saara, desenvolveram-se vários outros tipos de escrita, seguramente originários da escrita fenícia, a maioria deles já desaparecida. Subsistem, somente, a escrita etíope e a dos tuaregues – o tifinagh – que se distingue pela forma bastante geométrica de seus caracteres. Fato raro em toda a história da escrita: o tifinagh é atributo das mulheres. A sociedade tuaregue é matriarcal: ali como em outros lugares, escrever é possuir um certo poder.
Tomadas por empréstimo pelos gregos, consoantes do alfabeto aramaico vão tomar o lugar de vogais.
Todas essas escritas quase diretamente derivadas da escrita fenícia só possuem consoantes. Quando o leitor aprende a ler, deve aprender a vocalizá-las. Isto não constitui um problema intransponível para as línguas semíticas, pobres em vogais, mas não convém a uma língua como o grego, que comporta um grande delas.
Às portas do século VIII a.C., quando no Egito, escreve-se ainda em hieróglifos, e nas costas da Palestina são utilizadas, há mais de dois séculos, escritas “alfabéticas”, mais ao norte, na Grécia, fala-se uma língua muito diferente que os alfabetos existentes não são capazes de transcrever. Então, os gregos têm uma idéia simples e genial, a fim de criar suas vogais: a de tomar emprestado do alfabeto aramaico vários signos que, embora representando consoantes, não existem na língua grega. Assim nasceram: A “alfa”, E “epsílon”, O “ômicron”, Y “ipsilon”. Quanto ao I “iota”, foi uma inovação.
Este resumo não consegue expor todos os meandros da história; todavia, lá pelo século V a.C., o alfabeto grego já existia, comportando 24 signos ou letras, sendo 17 consoantes e sete vogais. Sabe-se também que existiam letras “capitais” ou maiúsculas e letras minúsculas. As maiúsculas eram usadas mais freqüentemente para gravar sobre pedra, ao passo que as minúsculas eram utilizadas para escrever sobre papiro ou sobre plaquetas de cera. Na verdade, os gregos inventaram espécies de “ardósias”, plaquetas recobertas por uma camada de cera, sobre as quais os alunos desenhavam as letras com um buril, um estilete ou ainda um estilo (espécie de ponteiro), podendo ser apagadas. Como os egípcios, os gregos usavam também um material menos caro, utensílios de barro não polidos, não envernizados. Foram encontradas numerosas peças , das quais as ostraca revelavam um costume muito próprio da democracia grega: o “ostracismo”. O nome dos cidadãos julgados indesejáveis era inscrito em pedaços dessa louça e, em seguida, colocados dentro de uma urna. Quando um ateniense era alvo de menções por demais freqüentes, era condenado ao exílio.
Nossa cultura deve tudo, ou quase tudo, à civilização grega, aí compreendido seu alfabeto.
Com a escrita grega, surge, a partir dos séculos V e IV a.C., uma das mais ricas literaturas de todos os tempos, representada por todos os gêneros: poesia, teatro, prosa, história, filosofia. Somos dela herdeiros, como também somos de sua escrita; causa principal de seu aparecimento, pois se essa escrita permitiu o nascimento e escritas complicadas – copta, armênia ou geórgica – é dela também que se origina o alfabeto latino, isto é, o nosso.... ou quase, porque aí também a história fica nublada e as certezas frágeis...
Sabe-se que os gregos foram grandes navegadores, navegaram em torno do Mediterrâneo e transmitiram sua escrita aos etruscos, habitantes do que hoje é a Toscana.
O “mistério etrusco” só faz aumentar o mistério de nossa herança grega.
Artesãos de uma das mais ricas civilizações da Antiguidade, os etruscos deixaram sobre as paredes de seus túmulos pinturas admiráveis e esculturas de uma beleza de um modernismo estonteantes. Também foram encontradas inúmeras inscrições escritas com signos semelhantes aos da escrita grega. Infelizmente, a língua dos etruscos ainda continua hermética para nós, a tal ponto que se fala em “mistério etrusco”.
Reis etruscos reinaram sobre Roma até o século IV a.C., data em que as populações que ocupavam a região do Lácio expulsa-nos. Os conquistadores latinos, futuros romanos, tiveram, então, que tomar emprestado o alfabeto etrusco, a fim de adaptá-lo à sua língua, o latim. Mas são só hipóteses. Certos autores pensam que o alfabeto latino teria vindo diretamente do alfabeto grego, sem passar pela escrita etrusca... A verdade é que por volta do século III a.C. foi criado um alfabeto latino de 19 letras , sendo o X e o Y anexados no século I a.C., na época de Cícero. Os romanos escreviam à moda dos gregos, porque usavam as maiúsculas para as pedras, as minúsculas para outras bases, papiro ou plaquetas de cera.
A gravura sobre pedra exigia um minucioso trabalho de preparação. Em função do número de palavras e de superfície a ser preenchida, era necessário determinar o tamanho das letras.
O gravador começava por “calibrar” seu texto, sem dúvida, sobre um rolo de pedra; ele devia traçar, com giz, as linhas indicadoras do limite superior e da base das letras (como o fazem hoje os pintores de anúncios). Depois, as letras eram desenhadas a carvão entre as linhas já feitas para, enfim , serem pintadas. Somente então, podia começar o entalhe a cinzel.
Nos séculos II e III d.C., surgem a “nova escrita comum” e a “oncial”, que vão ser transmitidas, até as portas do ano 1000, a todas as regiões da Europa onde vivem os romanos onde se escreve o latim.
Tão espantoso quanto possa parecer, é bem provável que as escritas indianas tenham as mesmas origens que o nosso alfabeto.
Desde o século III a.C., existem, na península da Índia, duas escritas principais: a escrita dita Kharosti e a escrita brahmi, às quais devem ser acrescentadas diversas variantes, que transcrevem o número incontável de línguas faladas nesse país imenso.
A escrita brahmi encontra-se na origem da escrita devanagari, com a qual escreve-se a língua sagrada de uma grande parte da Índia – o sânscrito – assim como uma das línguas mais correntes – o hindi. Ora, a escrita brahmi, totalmente alfabética, compreende consoantes e vogais, o que leva os historiadores a pensar que tais línguas não nasceram no mesmo lugar, mas constituem transformações do alfabeto fenício.
É verdade que a Índia e, particularmente, o vale do Indo eram um lugar de passagem, de comércio, entre os povos do Mediterrâneo oriental e os habitantes da península. Esses últimos faziam numerosos contatos com a Arábia, as costas fenícias e mesmo a Grécia.
Houve, também, como é sabido, a prodigiosa expedição de Alexandre, o Grande, nas margens do Indo, em 326 a.C. Enfim, convém não esquecer que as línguas da Índia, em particular o sânscrito, pertencem à família indo-européia. Esses dois elementos reforçam a tese de uma origem comum.
Quatro séculos antes de nossa era, os indianos já eram excelentes gramáticos.
Panini, um indiano nascido em Salatura, considerado o primeiro gramático lingüista, soube “descrever”, no século IV a.C., o funcionamento preciso das consoantes e das vogais da língua dos deuses, o sânscrito; o que explica, em parte, o fato de que as escritas indianas sejam integralmente alfabéticas e revelem uma fonética bastante estruturada.
As línguas importantes da Índia, lidas da direita para a esquerda, compreendem uma vogal principal. A maioria delas organiza-se em torno de uma “trave”, espécie de grande barra horizontal que une as letras entre si, acima de uma linha imaginária. Essa grafia particular confere-lhes uma notável beleza plástica.
Tendo como modelo as escritas da Índia, foram formadas, através de processos complexos, as escritas atualmente em uso no Tibete e em inúmeros países do Sudeste Asiático: Laos, Tailândia, Camboja e Birmânia.
A do Vietnã é um caso à parte. Os caracteres latinos, introduzidos nos séculos XVII e XVIII pelos jesuítas portugueses para facilitar a evangelização do povo, predominam em todo o país cujas escritas diferem de norte a sul, se todos então, se todos pudessem ler os mesmos caracteres. Inventaram, então, uma transcrição do vietnamita, a escrita “chu’quôc-ngu” (expressão que significa “caracteres da língua do país”), ou mais simplesmente “quôc-ngu”! Como as letras latinas não correspondiam à pronúncia do vietnamita, foi acrescentada uma quantidade de pontos e de acentos ou, mais precisamente, de sinais “diacríticos”.
Contrariamente ao que nós podemos pensar, a escrita não é a coisa mais compartilhada do mundo.
No começo de nossa era, existiam, pois, em alguns lugares do mundo, sistemas de escrita. Em alguns lugares... mas não em todos os lugares! Em nossos dias, ainda restam muitas regiões do planeta onde não se conhece a escrita. Os lingüistas enumerara, aproximadamente, três mil línguas distintas sobre a Terra e concordam que apenas uma centena delas se transcreve. E é bom lembrar também que um em cada dois indivíduos não conhece, mal conhece ou não conhece mais o uso da escrita.
A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de signos ou de caracteres.
Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, permitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons... daí os problemas cruciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia! Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que os mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber.
O primeiro modelo de alfabeto, o dos fenícios, ignora as vogais.
Os gregos possuíam um sistema de escrita, no segundo milênio a.C., o qual desapareceu, por volta de 1100 a.C., quando sua cultura foi destruída pelas invasões dóricas. Três ou quatro séculos mais tarde, a escrita fenícia espalhou-se pela Grécia. Ignora-se de onde vêm esses signos, encontrados gravados em fragmentos de barro. Mas é possível, e mesmo verossímil, que tal alfabeto provenha de transformações sucessivas provavelmente ainda da escrita demótica do antigo Egito.
Do que se tem certeza é que o alfabeto fenício era composto somente de consoantes, isto é, no sentido próprio, de sons ou fonemas que só existem na língua falada no momento em que “soam”, melhor dizendo, realizam-se ao lado das vogais. Era próprio das línguas semíticas, como o hebraico e o árabe, possuir pouquíssimas vogais.
Os fenícios, que eram, sobretudo, comerciantes e navegadores, comerciavam com todos os povos do perímetro do Mediterrâneo oriental. E foi por causa de suas transações comerciais que fizeram seu alfabeto conhecido nessa parte do mundo.
Dois novos alfabetos aparecem e servirão para redigir o Antigo Testamento.
Cinco séculos mais tarde, por volta do século VIII a.C., foi encontrado em cidades da atual Síria – então chamadas país de Arão – um alfabeto “aramaico” (ou arameu) semelhante, em alguns detalhes, àquele utilizado pelos fenícios.
A escrita e a língua aramaicas terão uma importância capital em nossa história, pois será com elas que serão escritos certos livros do Antigo Testamento. Porém, a maior parte dessa obra nos foi legada em uma língua cujos vestígios escritos mais remotos remetem a 700 a.C.: o hebraico.
Em sua forma primitiva, tal escrita não possui vogais e é lida, como o aramaico, da direita para a esquerda. Com pequenas diferenças, trata-se da mesma língua usada hoje como língua oficial em Israel.
O antigo hebraico, chamado “hebraico quadrado” – por seus signos obedecerem à forma de um quadrado -, sofreu poucas transformações no decorrer dos séculos. A escrita hebraica comporta, a par de letras “maiúsculas” – aquelas gravadas nos monumentos e copiadas nos rolos sagrados da Bíblia -, letras “cursivas” empregadas no dia-a-dia.
A escrita hebraica servirá, alguns séculos mais tarde, para transcrever uma outra língua falada pelos judeus da Europa central, o iídiche, bastante distante do hebraico, porque composta principalmente de palavras de origem germânica e eslava; o que faz com que os especialistas digam que a escrita é uma realidade em parte independente da língua (em parte somente!).
As escritas árabe e hebraica, ainda hoje em uso, beberam das mesmas fontes.
Com toda a certeza, a história da escrita é uma história de família. Tanto a escrita árabe quanto a hebraica são originárias do alfabeto fenício. Como? Em conseqüência de quais peripécias? Pouco se sabe, pois a filiação que permite passar da escrita fenícia à escrita árabe continua uma das mais obscuras. O que parece certo é que no começo da nossa era as populações do norte da Arábia, os nabateus, faziam uso de uma escrita que não era mais fenícia, porém ainda não era árabe. Também é certo que as primeiras inscrições, propriamente árabes, sejam datadas de 512-513 d.C. Em 622, o profeta do islamismo, Maomé, deixa Meca para se refugiar em Medina. Essa data marca o início da Hégira, isto é, da era muçulmana. Cerca de dez anos antes, os primeiros textos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, teriam sido ditados a Maomé por Alá, e transcritos na escrita árabe, por volta do ano 650; isto significa dizer que tal escrita é ligeiramente anterior ao islamismo, o qual, graças a uma rápida e prodigiosa expansão através do mundo, fez com que ela (a escrita mais que a língua) também se propagasse. O norte da África, a Ásia Menor e a Índia e a China oriental, territórios conquistados pelo Islã, vão adotar tal escrita. E se o Ocidente cristão não tivesse repelido o domínio mouro na Europa meridional, talvez hoje, a Europa ocidental inteira escrevesse em caracteres árabes.
Na Bíblia – Antigo e Novo Testamentos – e no Alcorão, os vocábulos escrita e escritura adquirem conotação sagrada.
Os cristãos, quando falam em Escritura ou Escrituras, designam seus livros santos. O mesmo acontece como o Alcorão: a escrita é em si mesma “escrita de Deus”; também o eram os hieróglifos para os antigos egípcios. Ela é reverenciada mesmo sem ser lida ou compreendida. Atualmente, nas escolas alcoranistas dos países da África ou da Ásia, onde se falam outras línguas, o Alcorão é ensinado na escrita árabe original.
Por motivos religiosos e outros, a escrita árabe conhecerá tamanho desenvolvimento que servirá para transcrever o persa. Todavia, o persa, língua do atual Irã, é uma língua indo-européia da mesma família do latim e do francês, não tendo nada em comum com o árabe, língua semítica.
No decorrer dos séculos, a caligrafia árabe produzirá obras-primas de fascinante diversidade.
Assim como o hebraico, o árabe é escrito e lido da direita para a esquerda e não possui vogais. Compreende 18 letras, que, associadas a pontos, perfazem um total de 29. Na escrita cursiva, os caracteres ligam-se uns aos outros.
Porém, o espírito próprio da escrita árabe é sua capacidade de prestar a inúmeras formas, a prodigiosas metamorfoses. A religião muçulmana, ao proibir de representar o rosto de Deus ou o do Profeta, fez com que a escrita se tornasse o elemento decorativo essencial das mesquitas e de todos os outros monumentos. Ela é a base fundamental da arte dos “arabescos”. A caligrafia árabe conheceu, até nossos dias, estilos de variedade infinita, de fantasia ilimitada, desde o cófico, da cidade de Cofê, no Iraque, até os modernos “caligramas” de Hassan Massoudy. Sabe-se hoje que nas regiões situadas ao sul da Arábia até a Etiópia, e até mesmo no deserto do Saara, desenvolveram-se vários outros tipos de escrita, seguramente originários da escrita fenícia, a maioria deles já desaparecida. Subsistem, somente, a escrita etíope e a dos tuaregues – o tifinagh – que se distingue pela forma bastante geométrica de seus caracteres. Fato raro em toda a história da escrita: o tifinagh é atributo das mulheres. A sociedade tuaregue é matriarcal: ali como em outros lugares, escrever é possuir um certo poder.
Tomadas por empréstimo pelos gregos, consoantes do alfabeto aramaico vão tomar o lugar de vogais.
Todas essas escritas quase diretamente derivadas da escrita fenícia só possuem consoantes. Quando o leitor aprende a ler, deve aprender a vocalizá-las. Isto não constitui um problema intransponível para as línguas semíticas, pobres em vogais, mas não convém a uma língua como o grego, que comporta um grande delas.
Às portas do século VIII a.C., quando no Egito, escreve-se ainda em hieróglifos, e nas costas da Palestina são utilizadas, há mais de dois séculos, escritas “alfabéticas”, mais ao norte, na Grécia, fala-se uma língua muito diferente que os alfabetos existentes não são capazes de transcrever. Então, os gregos têm uma idéia simples e genial, a fim de criar suas vogais: a de tomar emprestado do alfabeto aramaico vários signos que, embora representando consoantes, não existem na língua grega. Assim nasceram: A “alfa”, E “epsílon”, O “ômicron”, Y “ipsilon”. Quanto ao I “iota”, foi uma inovação.
Este resumo não consegue expor todos os meandros da história; todavia, lá pelo século V a.C., o alfabeto grego já existia, comportando 24 signos ou letras, sendo 17 consoantes e sete vogais. Sabe-se também que existiam letras “capitais” ou maiúsculas e letras minúsculas. As maiúsculas eram usadas mais freqüentemente para gravar sobre pedra, ao passo que as minúsculas eram utilizadas para escrever sobre papiro ou sobre plaquetas de cera. Na verdade, os gregos inventaram espécies de “ardósias”, plaquetas recobertas por uma camada de cera, sobre as quais os alunos desenhavam as letras com um buril, um estilete ou ainda um estilo (espécie de ponteiro), podendo ser apagadas. Como os egípcios, os gregos usavam também um material menos caro, utensílios de barro não polidos, não envernizados. Foram encontradas numerosas peças , das quais as ostraca revelavam um costume muito próprio da democracia grega: o “ostracismo”. O nome dos cidadãos julgados indesejáveis era inscrito em pedaços dessa louça e, em seguida, colocados dentro de uma urna. Quando um ateniense era alvo de menções por demais freqüentes, era condenado ao exílio.
Nossa cultura deve tudo, ou quase tudo, à civilização grega, aí compreendido seu alfabeto.
Com a escrita grega, surge, a partir dos séculos V e IV a.C., uma das mais ricas literaturas de todos os tempos, representada por todos os gêneros: poesia, teatro, prosa, história, filosofia. Somos dela herdeiros, como também somos de sua escrita; causa principal de seu aparecimento, pois se essa escrita permitiu o nascimento e escritas complicadas – copta, armênia ou geórgica – é dela também que se origina o alfabeto latino, isto é, o nosso.... ou quase, porque aí também a história fica nublada e as certezas frágeis...
Sabe-se que os gregos foram grandes navegadores, navegaram em torno do Mediterrâneo e transmitiram sua escrita aos etruscos, habitantes do que hoje é a Toscana.
O “mistério etrusco” só faz aumentar o mistério de nossa herança grega.
Artesãos de uma das mais ricas civilizações da Antiguidade, os etruscos deixaram sobre as paredes de seus túmulos pinturas admiráveis e esculturas de uma beleza de um modernismo estonteantes. Também foram encontradas inúmeras inscrições escritas com signos semelhantes aos da escrita grega. Infelizmente, a língua dos etruscos ainda continua hermética para nós, a tal ponto que se fala em “mistério etrusco”.
Reis etruscos reinaram sobre Roma até o século IV a.C., data em que as populações que ocupavam a região do Lácio expulsa-nos. Os conquistadores latinos, futuros romanos, tiveram, então, que tomar emprestado o alfabeto etrusco, a fim de adaptá-lo à sua língua, o latim. Mas são só hipóteses. Certos autores pensam que o alfabeto latino teria vindo diretamente do alfabeto grego, sem passar pela escrita etrusca... A verdade é que por volta do século III a.C. foi criado um alfabeto latino de 19 letras , sendo o X e o Y anexados no século I a.C., na época de Cícero. Os romanos escreviam à moda dos gregos, porque usavam as maiúsculas para as pedras, as minúsculas para outras bases, papiro ou plaquetas de cera.
A gravura sobre pedra exigia um minucioso trabalho de preparação. Em função do número de palavras e de superfície a ser preenchida, era necessário determinar o tamanho das letras.
O gravador começava por “calibrar” seu texto, sem dúvida, sobre um rolo de pedra; ele devia traçar, com giz, as linhas indicadoras do limite superior e da base das letras (como o fazem hoje os pintores de anúncios). Depois, as letras eram desenhadas a carvão entre as linhas já feitas para, enfim , serem pintadas. Somente então, podia começar o entalhe a cinzel.
Nos séculos II e III d.C., surgem a “nova escrita comum” e a “oncial”, que vão ser transmitidas, até as portas do ano 1000, a todas as regiões da Europa onde vivem os romanos onde se escreve o latim.
Tão espantoso quanto possa parecer, é bem provável que as escritas indianas tenham as mesmas origens que o nosso alfabeto.
Desde o século III a.C., existem, na península da Índia, duas escritas principais: a escrita dita Kharosti e a escrita brahmi, às quais devem ser acrescentadas diversas variantes, que transcrevem o número incontável de línguas faladas nesse país imenso.
A escrita brahmi encontra-se na origem da escrita devanagari, com a qual escreve-se a língua sagrada de uma grande parte da Índia – o sânscrito – assim como uma das línguas mais correntes – o hindi. Ora, a escrita brahmi, totalmente alfabética, compreende consoantes e vogais, o que leva os historiadores a pensar que tais línguas não nasceram no mesmo lugar, mas constituem transformações do alfabeto fenício.
É verdade que a Índia e, particularmente, o vale do Indo eram um lugar de passagem, de comércio, entre os povos do Mediterrâneo oriental e os habitantes da península. Esses últimos faziam numerosos contatos com a Arábia, as costas fenícias e mesmo a Grécia.
Houve, também, como é sabido, a prodigiosa expedição de Alexandre, o Grande, nas margens do Indo, em 326 a.C. Enfim, convém não esquecer que as línguas da Índia, em particular o sânscrito, pertencem à família indo-européia. Esses dois elementos reforçam a tese de uma origem comum.
Quatro séculos antes de nossa era, os indianos já eram excelentes gramáticos.
Panini, um indiano nascido em Salatura, considerado o primeiro gramático lingüista, soube “descrever”, no século IV a.C., o funcionamento preciso das consoantes e das vogais da língua dos deuses, o sânscrito; o que explica, em parte, o fato de que as escritas indianas sejam integralmente alfabéticas e revelem uma fonética bastante estruturada.
As línguas importantes da Índia, lidas da direita para a esquerda, compreendem uma vogal principal. A maioria delas organiza-se em torno de uma “trave”, espécie de grande barra horizontal que une as letras entre si, acima de uma linha imaginária. Essa grafia particular confere-lhes uma notável beleza plástica.
Tendo como modelo as escritas da Índia, foram formadas, através de processos complexos, as escritas atualmente em uso no Tibete e em inúmeros países do Sudeste Asiático: Laos, Tailândia, Camboja e Birmânia.
A do Vietnã é um caso à parte. Os caracteres latinos, introduzidos nos séculos XVII e XVIII pelos jesuítas portugueses para facilitar a evangelização do povo, predominam em todo o país cujas escritas diferem de norte a sul, se todos então, se todos pudessem ler os mesmos caracteres. Inventaram, então, uma transcrição do vietnamita, a escrita “chu’quôc-ngu” (expressão que significa “caracteres da língua do país”), ou mais simplesmente “quôc-ngu”! Como as letras latinas não correspondiam à pronúncia do vietnamita, foi acrescentada uma quantidade de pontos e de acentos ou, mais precisamente, de sinais “diacríticos”.
Contrariamente ao que nós podemos pensar, a escrita não é a coisa mais compartilhada do mundo.
No começo de nossa era, existiam, pois, em alguns lugares do mundo, sistemas de escrita. Em alguns lugares... mas não em todos os lugares! Em nossos dias, ainda restam muitas regiões do planeta onde não se conhece a escrita. Os lingüistas enumerara, aproximadamente, três mil línguas distintas sobre a Terra e concordam que apenas uma centena delas se transcreve. E é bom lembrar também que um em cada dois indivíduos não conhece, mal conhece ou não conhece mais o uso da escrita.
O próximo artigo a ser postado é DOS COPISTAS AOS IMPRESSORES
1 Comments:
Sabe porque escreve da direita para a esquerda os povos ou línguas antigas? Já ouvir dizer que é devido não achar muitas pessoas canhotas para bater o martelinho e o aparelho, ou seja, para quem é destro é melhor bater da direita para esquerda do que da esquerda para direita.
Sabe se isso procede?
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