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quinta-feira, julho 20, 2006

"Não sou eu quem me navega"

NOSSA LÍNGUA, NOSSA GENTE


Não sou em quem me navega

O último disco de Paulinho da Viola (Bebadosamba) e simplesmente primoroso. É um verdadeiro monumento da cultura popular desse país. Uma das canções é “Timoneiro”, música de Paulinho e letra de Hermínio Bello de Carvalho. “Não sou em quem me navega, quem me navega é o mar”, diz o refrão. Aí está o xis do problema: a concordância verbal quando se usa esse tipo de expressão.

Na língua do dia-a-dia, é muito comum que o verbo ser apareça na terceira pessoa do singular em frases como “Não foi eu que fiz”, ou simplesmente “Não foi nós”. Essa concordância – gramaticalmente errada – talvez se explique pelo uso generalizado da terceira pessoa (“Cabe dez”; “Falta quinze”; “Acabou as fichas”; “Sobrou vinte”; “Chegou os manuais”), o que é comum em todas as classes sociais.

Deve-se considerar que há dois verbos nesse tipo de frase: o verbo ser, que necessariamente concorda com o pronome a que se refere (Não fui eu; Não foi ele; Não fomos nós; Não foram eles), e o verbo que se prende ao pronome quem, preferencialmente conjugado na terceira do singular.

Ninguém acha estranha a concordância em perguntas diretas, como “Quem foi?”,Quem fez isso?” ou “Quem paga?”, em que o verbo fica na terceira do singular. Assim, para a norma culta, a frase de Hermínio Bello de Carvalho é perfeita. O verbo ser concorda com o pronome eu (“Não sou eu”); o verbo navegar, que se prende ao pronome quem, fica na terceira pessoa do singular (“quem me navega”).

Quem paga sou eu”, diz muita gente de mão aberta. Mas, se a ordem for invertida (“Sou eu quem paga”), já pinta careta. Dá no mesmo. As duas são equivalentes. Se você diz “Quem paga somos nós”, nenhum problema em “Somos nós quem paga”.

E como fica a concordância quando se usa “Sou eu que”, “Não fomos nós que” ou “Foram eles que”? É outra história. O verbo que vem depois do “que” necessariamente será conjugado na mesma pessoa em que se encontra o verbo ser. Então deve-se dizer “Não fui eu que fiz”, “Não fomos nós que dissemos”, “Não foram eles que denunciaram”.

Os mais velhos devem lembrar-se de uma canção da década de 70, “Última forma”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, cuja letra diz: “E graças a Deus não vai ser eu quem vai mudar”. Não vai ser eu? Eu não vai ser? É óbvio que não.

O ótimo poeta Paulo César Pinheiro misturou as bolas e se deixou levar pelo velho problema da inversão. No padrão coloquial, quando do verbo vem na frente, lasca-se a terceira do singular.

A correção é muito simples: “Não vou ser eu quem vai mudar”. Essa música foi gravada pelo MPB-4 e pela cantora Márcia, que não perceberam o problema e mantiveram a concordância errada.

Vale repetir: usando “quem”, prefere-se o verbo seguinte na terceira do singular; usando “que”, o verbo segue a concordância do verbo ser. É isso.


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